Especialistas criticam proposta de redução da maioridade penal

Por Rafael Tatemoto

de São Paulo


A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados realizou uma audiência pública nesta terça-feira (24) para debater a PEC 171/93 (Proposta de Emenda Constitucional) da Maioridade Penal.  A admissibilidade do projeto pode ser votado pela Comissão na quarta-feira (25).

Mesmo que o relator da proposta, responsável por emitir um primeiro parecer, o deputado Luiz Couto (PT/PB), tenha emitido anteriormente opinião contra a proposta de diminuição da maioridade penal, organizações da sociedade civil e entidades de direitos humanos temem que, por conta da composição Comissão e do próprio Congresso, o projeto avance e seja aprovado.

A audiência pública foi requerida pelo deputado petista Alessandro Molon (RJ). Ao pedido dele se somaram os dos deputados Esperidião Amin (PP-SC), Maria do Rosário (PT-RS) e Décio Lima (PT-SC), determinando que a consulta deveria contar também com a participação de dois constitucionalistas, com opiniões a favor e contra a matéria.

O professor Fabrício Juliano Mendes Ribeiro, um dos constitucionalistas escutados, afirmou que a proposta é constitucional. Segundo ele, não haveria impedimento de
reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos, já que o essencial é que a Constituição defina alguma  idade.

Já o professor André Ramos Tavares se opôs à ideia. Segundo ele, a maioridade penal estabelecida em 18 anos é uma cláusula pétrea da Constituição, ou seja, trata-se de um direito humano fundamental que não pode ser modificado pelos legisladores.

Críticas

Rafael Custódio, advogado e coordenador do Programa de Justiça da ong de direitos humanos Conectas, explica a posição de Tavares. Para ele, em se tratando de direitos fundamentais conquistados, a interpretação que deve prevalecer é a de que não pode haver retrocesso social.

“A proposta certamente não deveria ser admitida pela Comissão. Tem até uma discussão sobre a possibilidade de se legislar sobre um tema que se sabe inconstitucional.  O Legislativo é um poder independente, mas dentro dos parâmetros que a Constituição estabelece, ele não pode discutir leis de qualquer natureza”, diz Custódio.

Dados levantados pela Conectas apontam para a ineficácia da medida: apenas 0,5% dos homicídios são cometidos por menores. Para Rafael, o que ocorre é uma confusão entre idade penal e impunidade. “O país estabelece marcos de idade e dá respostas
proporcionais, mas dá respostas. Na prática, o menor, quando comete uma infração, sofre a privação de liberdade.”

Nesse sentido, a crença no encarceramento seria ilusório e traria “consequências nefastas” para a já grave crise pela qual passa o sistema carcerário. “Se a prisão fosse uma resposta adequada, nós deveríamos ser um dos países mais seguros do mundo. As estatísticas
mostram que isso não é verdade. O Brasil tem a quarta maior  população carcerária do mundo e continua batendo recordes de homicídio”, afirma o advogado.

Rafael ainda alerta para o perigo de  iniciativas legislativas que defendem o aumento do tempo de internação dos menores, como a do senador paulista Aloysio Nunes (PSDB). Na verdade, o que deveriam ser buscadas são políticas públicas no caminho contrário.

“Deveríamos nos perguntar como evitar que o jovem seja vítima da violência. Esse é o problema.” Custódio aponta para o componente racial envolvido na questão: “77% dos homicídios são de jovens negros. A morte de jovens brancos caiu 30% nos últimos, enquanto a que a dos negros aumentou.”

Por último, ele lembra que o Brasil assinou tratados internacionais que impedem a  redução da maioridade penal. “[Esses] compromissos internacionais obrigam o Brasil a ir pra frente e garantir mais proteção aos menores, e não menos.”

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão vinculado à Organização dos Estados Americanos, lançou uma nota em que “expressa sua preocupação com a possibilidade de que se adotem reformas constitucionais que sejam contrárias às obrigações internacionais livremente assumidas ao ratificar tratados internacionais”.

A nota também considera “que a atual proposta constituiria um grave retrocesso e uma violação dos direitos fundamentais dos adolescentes, pois viola sua garantia de ser tratado por uma justiça juvenil especializada.”

A Ordem dos Advogados do Brasil, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, o Ministério Público Federal e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência também já se manifestaram contrariamente à PEC. Além delas, diversas organizações da
sociedade civil estão se articulando para tentar barrar o avanço do projeto.

Fonte: Brasil de Fato

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